Cultura

PÓLIO - UMA TERRÍVEL DOENÇA EM ESTADO TERMINAL

O texto foi escrito por Fábio Ordones Martins da Costa do Rotary Club de Conselheiro Lafaiete.

26/10/2016

A poliomielite é uma doença muito antiga. Há registros egípcios de indivíduos com pernas atrofiadas datados de quase 4.000 anos  atrás que sugerem a sua ocorrência naquela época.

É altamente incapacitante, atingindo principalmente crianças de até 5 anos. É causada por um vírus que ataca as células nervosas, assim afetando o movimento muscular e levando à paralisia. Por não atingir apenas comando daqueles de que dependemos para nos locomover, mas também o controle do diafragma e os que nos levam a deglutir (engolir), a morte também a acompanha.

Em 1887 houve, em Estocolmo, na Suécia, o primeiro dos vários surtos que assolariam a Europa e a América do Norte nas décadas seguintes.

Em 1916 milhares de pessoas abandonaram Nova York quando uma das maiores epidemias de pólio atingiu a cidade, deixando paralisadas 27 mil pessoas e levando à morte de outras 9 mil.

Por décadas a fio no século passado foi um pesadelo que assombrava famílias e povos em todo o mundo. Escolhendo aqui e ali uma e outra criança, deixava todos pavorosos de que a próxima vítima pudesse ser um de nossos filhos - e às vezes era. Muletas coloridas e bonecas com aparelhos ortopédicos procuravam amenizar o sofrimento das crianças e facilitar a aceitação de suas limitações. Protótipo de equipamentos modernos, em 1928 foi criado o que veio a ser conhecido como pulmão de aço. Era uma câmara metálica em que o paciente era inserido, ficando apenas a cabeça de fora, e que forçava a entrada e saída de ar no pulmões. Salvou milhares de vidas, mas não era a solução do problema.

 

Pulmões de Aço

Nos Estados Unidos, veio a se eleger presidente Franklin Delano Roosevelt, quem, em 1921, com 39 anos, havia contraído e, com sequelas, sobrevivido ao vírus da Pólio. Foi durante o seu governo, em 1938, que a população americana se mobilizou profundamente com a arrecadação de fundos em uma campanha chamada de Marcha dos Tostões. Foram estes recursos da comunidade americana, com contribuição de todas as classes sociais, que subsidiou a criação da primeira vacina, trabalho incansável movido pelo espírito humanitário do cientista Jonas Salk e sua equipe. Tal feito foi comemorado como se tivessem vencido uma guerra. Na verdade, venceram uma batalha, cuja guerra ainda persiste e se espera se encerrar em breve. Com ela lá se iniciou a imunização. Inicialmente injetável, com vírus mortos, foi, no correr da década de 1960, substituída pela vacina oral (entre nós, a gotinha), criada por Albert Sabin. A sua produção era mais barata e a administração bem mais simples, permitindo que a campanha fosse ampliada.

Em 1977 um levantamento na África demonstrava que a poliomielite estava ali com taxas comparáveis às dos países ricos antes da criação da vacina.

O Rotary International, fundado em 1905, nesta época já era uma entidade cuja difusão no mundo estava consolidada, realizando campanhas voltadas para a comunidade, inclusive de imunização, todavia localmente, a nível de clubes ou de distritos (associações de clubes).

Em 1979, rotarianos e membros do Ministério da Saúde das Filipinas acompanharam voluntários administrando a vacina oral em crianças de Guadalupe Viejo, Manila. James Bomar Jr. então presidente do  Rotary International, e Enrique M. Garcia, Ministro da Saúde das Filipinas, viriam a assinar um acordo no qual se comprometiam em realizar uma campanha de cinco anos para vacinar cerca de 6 milhões de crianças a um custo de estimado de US$760.000. É esta a raiz da campanha mundial.

Em 1985, com o objetivo de imunizar todas as crianças do planeta, o Rotary International lançou o programa Pólio Plus. Uma grande campanha de arrecadação de fundos foi imediatamente desenvolvida com o objetivo de levantar 120 milhões de dólares para subsidiar as atividades. Era apenas uma pequena parcela do esforço que sobreviria.

O Rotary não ficou sozinho. Em 1988, os governos membros da Assembleia Nacional de Saúde, sob a liderança de órgãos da ONU, (UNICEF e a OMS), do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (agência do Departamento de Saúde dos EUA) e do próprio Rotary International (membro fundador da ONU), lançaram a Campanha Mundial para Erradicação da Pólio.

Logo, com a vacinação de 550 milhões de crianças, a taxa de imunização já atingia 80%, destas contra os 20% dez anos antes. Seu alcance se revelaria muito maior, efetivamente varrendo a doença mundo afora, país por país.

No Brasil, o gradativo incremento do esforço governamental se mostrou eficiente. O emprego da vacina via oral se iniciou bem antes da campanha mundial, em 1961. Em 1980 foi criado o Dia Nacional de Vacinação contra a pólio. O nosso último caso foi em 1989, na Paraíba. Assim, dispõe nosso país do certificado de erradicação desde 1994.

Trata-se de uma conquista que, para ser mantida, exige árduo esforço não só aqui, mas em todo o mundo. Enquanto existir o vírus, não há garantias de que o causador desta assombrosa doença não retorne ao nosso meio - ele já foi encontrado em um de nossos aeroportos, felizmente sem contágio. É a vacina que nos protegeu e nos protege. A campanha internacional é de todos nós.

Quando o Rotary lançou o programa Pólio Plus em 1985 ocorriam 350.000 casos de pólio por ano, ou seja, 1.000 por dia, em mais de 125 países. Com a subsequente agregação de esforços, houve uma redução de mais em 99,9 % no número de casos. Após a erradicação na Índia e Nigéria - país que, em 2012, representava metade dos casos no Mundo - remanesceu apenas o Afeganistão e no Paquistão.  Todavia, houve em Agosto de corrente ano um surto de três casos nem tal país africano, retornando ele à lista da endemia. O Rotary International imediatamente investiu meio milhão de dólares na campanha em países da região. No mundo, serão este ano poucas dezenas de casos neste ano. A perspectiva é animadora. Depois do sarampo, a poliomielite já se mostra a segunda doença virótica a ser expurgada do planeta.

 

O esforço demandado em tempo e recursos foi várias vezes maior do que o projetado e o custo da campanha nesta fase final é destacadamente alto. Além de não podermos descuidar da manutenção do alto nível de cobertura vacinal onde já foi erradicada é imprescindível uma maior pressão contra a pólio em regiões onde ela ainda é endêmica. Parte destas está sob o controle de grupos rebeldes ao governo central, o que prejudica severamente o nível de cobertura.

O Rotary sempre exerceu um papel extremamente importante nesta caminhada. Além da iniciativa, tem ele influenciado governos nacionais na imprescindível tomada de decisão em relação à causa. As mobilizações para arrecadação de fundos levaram a doações via Rotary que hoje superam 1,3 bilhão de dólares. Destaca-se, nos últimos anos, a adesão, como parceiro, da Fundação Bill e Melinda Gates. Esta já destinou centenas de milhões de dólares à Fundação Rotária voltados para o combate à Pólio, valor que foi dobrado com o equivalente em doações feitas através do Rotary. Tais recursos são preponderantemente destinados às regiões do globo em que o quadro é mais crítico, onde a doença é endêmica ou os governos nacionais não tenham aderido. Quando e onde é necessário, rotarianos ainda se mobilizam como voluntários na logística de distribuição e aplicação da vacina.

Não deixa o Rotary ainda de atuar em outras áreas de interesse das comunidades internacional e local, inclusive em atendimento a crianças com a síndrome pós-pólio.

A guerra ainda não está vencida e, se nos desguarnecermos, o inimigo pode se fortalecer. Esperamos que o nosso último caso se verifique dentro de dois ou três anos. A partir daí ainda serão necessários mais alguns poucos anos com intensa campanha para que a erradicação global seja reconhecida. Nestes a vacinação passará a ser injetável, com vacina feita com vírus mortos. Será uma verdadeira enorme conquista da humanidade.

No último dia 24 de Outubro foi comemorado o Dia Mundial de Combate à Pólio com uma maciça divulgação cujo o objetivo é alertar quanto à importância da campanha. Manifeste-se, incentive a vacinação, doe ou incentive a doação. Estamos na reta final. Precisamos da adesão de todos. Veja em www.rotary.org/pt

Texto: Fábio Ordones Martins da Costa - Rotariano