Colunista - Miriam Taciana Miranda Cruz

O Natal da nossa infância

Texto escrito pela colunista Míriam Taciana em parceria com Jussara Miranda e Rodrigo Carlos.

24/12/2021

Já em novembro, na época da nossa infância, avistávamos o Natal, tal como era para nós: um momento especial, de união e muitos simbolismos…

A lenha já ia sendo preparada para as quitandas feitas ao forno pela vovó e tias, bem como os doces deliciosos.

Raspar o tacho do doce de leite era uma delícia para nós.

O doce de figo, fruto que só é colhido no período de Natal, com preparo um tanto trabalhoso, tem seu aroma e sabor inconfundíveis, e sempre se fez presente na ceia.

O sentimento também era doce, de espera e alegria.

O presépio contava com peças feitas à mão e enchia de graça e emoção o cômodo em que era montado.

Sobre o presépio Rodrigo detalha: “O tempo chuvoso, já característico, anuncia a proximidade do Natal. Vovó, prevenida que é, já preparou os bichinhos de barro para o presépio. Foram vários dias para deixar tudo pronto. Primeiro foi a escolha pelo barro mais adequado (não poderia ser qualquer um porque se não os bichinhos iam ter rachaduras ao secar). Vovó disse que o melhor barro é aquele branco que tem perto do moinho d'água, por baixo da serva de porcos. Depois de escolhido o barro era hora de modelar os patinhos, as galinhas, os boizinhos. Vovô, com seu jeito brincalhão, só espiando de longe, esperou os bichinhos ficarem prontos pra dizer que haviam ficado uma marmota! Vovó danou com ele e disse: "- Marmota é seu nariz!" Demos risadas.
Depois de prontos, era hora de deixar secar pra depois pintar com tinta alumínio prata. Os bichinhos da vovó sempre foram prateados. Ela caprichosa, faz tudo com carinho e cuidado. Tudo é muito simples. Mas cheio de detalhes que dão vida ao presépio já tradicional.

Enquanto os bichinhos não secam, é preciso cuidar de outros detalhes. As primeiras chuvas fortes de novembro faz descer daquele morro depois da represa, indo pra Celina, uma areia branca e fina que parece sal. E é ela que a vovó gosta de colocar no presépio pra fazer o caminho do reis magos. Então, foi preciso esperar um dia ensolarado pra irmos buscar a areia e deixá-la reservada para o dia. Eu sempre achei a coisa mais legal do mundo acompanhar a vovó nesta tarefa. A areia cintila na estrada, se destacando em meio à pastagem já recuperada da seca. E vovó exigente, sempre cuida para que eu não pegue nada de terra junto a areia de forma a suja-la. É uma alegria encher os potinhos pensando em como vai ficar bonito o presépio. Além da areia, foi preciso preparar as pedreiras. Estas sempre foram a sensação do presépio porque pareciam pedra de verdade. Vovó fez um grude com polvilho e água, que serviu como uma espécie de cola para espalhar no papel e depois grudar a mistura de areia com pó de carvão. Foi só esperar secar e tava pronto a pedra de papel. Eu olho pra vovó e fico pensando como ela pode ser tão sábia sem nunca ter frequentado a escola (…)

Quase tudo pronto! Mas ainda falta o principal. Então, a vovó vai até o seu quarto, sobe na cama, abre o oratório e de lá é retirado o menino Jesus, deitado em sua manjedoura. Todos o beijam. E ela, delicadamente o coloca na gruta. Pronto! Tudo lindo!”

Os papelin (na linguagem de vovó), do amigo oculto, eram retirados e guardados em segredo.

Os baralhos para os jogos de truco eram separados.

Aos poucos tudo ia sendo preparado, para bem acolher a grande família que chegaria às vésperas do Natal.

A casa era varrida com a vassoura especial da vovó, feita de ramos de alecrim presos por uma lata de extrato de tomate, enfiada em um cabo de madeira. Um cheiro tão bom! A poeira levantada fazia surgir canhões de luz através das frestas do telhado.

Vovô e vovó, com o coração aberto esperava na varanda para nos ver chegar.

A noite do dia 24 de dezembro, desde que nos entendemos por gente, foi marcada pela imagem da família reunida em festa, esperando o nascimento do menino Jesus, que representava o renascimento de tantas coisas e sentimentos para nós, especialmente o amor familiar.

Com o Natal descobrimos o significado da alegria da chegada. A presença de cada um de nós sempre foi muito esperada, um esperando pelo outro e a chegada era sinônimo de alegria. O ato de chegar vai então além de seu sentido literal. Nesse nosso encontro de família é o primeiro contato tão aguardado, é trazer emoções para somar às dos outros, e compartilhar, é viver o tempo presente, com fé e esperança.

Ao final do encontro, muitos de nós ali mesmo na casa dos avós permanecíamos. Seja no cantinho de uma cama, no sofá, ou em um colchão no chão da sala.

O travesseiro de macela embalava um sono gostoso, que só acabava quando de manhã os cachorros latiam e as galinhas d’angola cantarolavam.

Ao acordar, nada era mais agradável que encontrar os presentinhos da vovó em nossos sapatos ao pé da cama. Coisas simples e de enorme valor para nós.

A reunião para o café da manhã, ao som do rádio da vovó de cima da geladeira, contava com muitos risos e causos da noite de ceia. O vovô, tranquilamente sentado à beira do fogão, tomava o seu café da manhã com bolacha em seu canecão vermelho esmaltado.

E assim foi, e assim ainda é, dentro das adaptações dos tempos.

Permanecem o encontro, os sorrisos e abraços.

Vovô e vovó estão em outro plano, mas deixaram um legado e permanecem entre nós, por meio dessas e outras memórias, através das quais somos tão agraciados...

Que renasça um bom tempo com este Natal!

Desejos um feliz Natal a vocês, leitores!

 

Míriam Taciana Miranda Cruz é Advogada, Especialista em mediação de conflitos e mediadora extrajudicial. Veja bio completa no texto de apresentação da colunista.

 

 

Jussara Miranda - Escrevente extrajudicial. Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. @jussara_mirand

 

 

Rodrigo Carlos G. Miranda é Psicólogo clínico e social