Por Renato Armanelli Gibson
15/08/2018
Certa vez, um cliente, de ascendência árabe, me procurou com uma dúvida bastante interessante. Tudo começou quando ele resolveu parar de trabalhar e curtir a vida. Ele dizia que após vender sapatos por mais de 35 anos, já estava na hora de descansar e viajar o mundo. Como o seu único filho era médico e não se interessava pelo comércio, ele decidiu vender a sapataria. A empresa era bastante consolidada no mercado e fez com que ele ganhasse muito dinheiro na venda, fazendo um ótimo negócio.
De fato, esse meu cliente aproveitou bastante o seu merecido descanso. Viajou com sua esposa para vários países, conheceu restaurantes e hotéis magníficos, comprou o carro dos seus sonhos. No entanto, para sua surpresa, dois anos depois da venda da sapataria, ele se cansou de tanto descansar. E resolveu, mesmo com mais de 60 anos e muito dinheiro no bolso, voltar a trabalhar. E como a única coisa que sabia fazer na vida era vender sapatos, ele decidiu abrir nova sapataria na cidade.
Quando ele me procurou, pedindo que eu elaborasse o contrato social dessa nova empresa, fui forçado a fazê-lo desistir da ideia, pelo menos por um tempo. Ele ficou curioso, queria saber o motivo pelo qual ele não podia voltar a trabalhar, abrindo uma nova sapataria.
O problema todo é que o artigo 1.147 do Código Civil prevê a chamada “cláusula de não concorrência”, também conhecida como “cláusula de não restabelecimento” ou, ainda, “cláusula de interdição da concorrência”. Segundo tal regra, não havendo autorização expressa no contrato de alienação do estabelecimento comercial, aquele que vende não pode fazer concorrência àquele que compra nos cinco anos subsequentes à transferência.
Como no contrato que ele assinou não havia qualquer menção sobre a possibilidade de um novo restabelecimento, ele teria que esperar cinco anos para poder abrir nova sapataria.
Essa regra de não concorrência existe porque, segundo a lei, o adquirente do estabelecimento comercial tem em vista a clientela do alienante. Assim, se o alienante se restabelece no mercado, a tendência é a sua antiga clientela segui-lo, frustrando, assim, as pretensões do adquirente.
O desfecho desse caso foi interessante e bastante rápido, porque o sangue árabe do meu cliente não o deixava esperar os cinco anos exigidos pela lei. Ansioso por se lançar ao comércio novamente, ele resolveu abrir outro negócio, uma papelaria. Aí sim pude elaborar o contrato social dessa nova loja, pois não havia qualquer tipo de vedação legal.
Bem verdade que ele ganhava mais dinheiro vendendo sapatos, mas ele não se arrepende. Ainda que não seja muito, a papelaria sempre dá lucros, nunca ficou um mês no prejuízo. E o principal, ele pôde ter de volta contato com o público, sem desrespeitar a lei.
Renato Armanelli Gibson é advogado. Sócio nominal da Albuquerque Armanelli Barbosa Rodrigues Jr. Sociedade de Advogados – AABR. Mestre em Direito Empresarial Internacional pela Universidade Real de Groningen, Holanda. Professor na Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete, MG. Membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB de Conselheiro Lafaiete, MG. Contato: gibson.renato@gmail.com