Por Dr. Renato Armanelli Gibson
10/09/2018
“A paz, se possível, mas a verdade, a qualquer preço”, já dizia o monge agostiniano, e professor de teologia, Martinho Lutero. Embora tal afirmativa faça sentido na filosofia, o mesmo não se pode dizer quanto ao Direito. Embora a busca pela verdade seja intensa nos processos judiciais, há momentos em que a lei impõe limitações à atividade probatória. Não se admite, à guisa de exemplo, a extração da confissão mediante tortura. Dessa forma, ao contrário do que propõe Lutero, no direito processual busca-se a verdade, mas não a qualquer preço.
Ávidos em buscar a verdade, mas respeitando os limites impostos pela lei, advogados e juízes trazem para os autos do processo tantos elementos de prova quanto possível. A ideia é reunir nos autos do processo elementos de prova suficientes para demonstrar a veracidade dos fatos arguidos no processo, que fundamentam tanto os pedidos das partes quanto as decisões judiciais.
Dentro desse contexto de produção de provas, um assunto que sempre gera discussões interessantes é o uso de indícios e presunções para se demonstrar a veracidade de um fato. O motivo de interesse nesse tópico é que a lei, em várias situações, aceita como provado um fato presumido.
Tome-se como exemplo um caso originário do sul de Minas, julgado em segunda instância pelo TJMG, em que magistrados discordaram sobre a existência de má-fé num contrato de compra e venda de bem imóvel. Nesse caso, iniciado na Comarca de Bom Sucesso, Minas Gerais, os desembargadores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais reformaram a decisão do juiz de 1ª instância, pois presumiram que nesse caso houve má-fé por parte do vendedor e da compradora do bem imóvel.
Tratava-se de ação na qual o autor pretendia a anulação de um contrato de compra e venda, alegando a existência de um vício chamado “fraude contra credores”. Para que tal pedido fosse julgado procedente, e o referido negócio fosse anulado, era preciso demonstrar no processo a ocorrência de alguns requisitos, dentre os quais, a má-fé do vendedor e da compradora. Ou seja, era preciso que o autor comprovasse que vendedor e compradora se uniram, em conluio fraudulento, com a intenção de lhe gerarem prejuízo através da celebração do referido contrato.
Enquanto o juiz de 1ª instância entendeu que não havia nos autos provas de que as partes agiram de má-fé ao celebrarem o contrato de compra e venda, os desembargadores do TJMG, analisando exatamente os mesmos autos, tiveram posicionamento absolutamente diferente. Isto é, o TJMG encontrou nos autos indícios suficientes de má-fé das partes quanto à alienação do imóvel.
Os principais indícios usados pelo TJMG para fundamentar sua decisão foram os seguintes: a) o vendedor do imóvel era irmão da compradora; b) poucos meses antes da compra e venda, o vendedor do imóvel havia simulado um divórcio para passar seu patrimônio para sua “ex”-esposa.
Quanto ao primeiro indício, o TJMG entendeu que o fato da compradora ser irmã do vendedor permitia a conclusão de que eles simularam uma compra e venda para que o imóvel que era seu saísse do seu patrimônio e frustrasse, assim, a pretensão do credor de satisfazer seu crédito.
Quanto ao segundo indício, ficou provado nos autos que o vendedor simulou um divórcio tão somente para esvaziar seu patrimônio, passando seus bens para sua esposa. Assim, restou clara, na visão do TJMG, a habitualidade do vendedor em mentir e simular negócios jurídicos para obtenção de vantagens pessoais indevidas.
Umberto Eco dizia que nem todas as verdades são para todos os ouvidos. Como se vê, os ouvidos do juiz da Comarca de Bom Sucesso não estavam bem treinados à época em que proferiu a sentença, uma vez que reconheceu a existência dos indícios acima, mas não entendeu que eles podiam gerar a conclusão de má-fé por parte do vendedor e da compradora.
Nesse caso concreto, o TJMG reformou a decisão de 1º grau para anular a compra e venda e, consequentemente, recompor o patrimônio do devedor, de tal maneira que ele tivesse bens suficientes para responder pela sua dívida. Merece censura a decisão de primeira instância e aplausos a decisão de segunda instância. Tal desfecho foi bastante justo, pois ao mesmo tempo protegeu o terceiro de boa-fé e puniu o devedor malandro, acostumado a usar sua família para obter vantagens indevidas às custas dos outros.
Renato Armanelli Gibson é advogado. Sócio nominal da Albuquerque Armanelli Barbosa Rodrigues Jr. Sociedade de Advogados – AABR. Mestre em Direito Empresarial Internacional pela Universidade Real de Groningen, Holanda. Professor na Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete, MG. Membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB de Conselheiro Lafaiete, MG. Contato: gibson.renato@gmail.com